Por Gustavo Pires e Eduardo Clausen
O Senado Federal recebeu, no final do mês de janeiro de 2025, a proposta que visa reformar o Código Civil brasileiro, o qual está em vigor desde 2002 sem nunca ter passado por uma grande reforma. Trata-se do Projeto de Lei 4/2025, protocolado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com base no texto do anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo vice-presidente do STJ, Desembargador Luís Felipe Salomão, a pedido do próprio Pacheco.
Segundo Salomão, a proposta busca colocar o Código Civil “em linha com o que vem acontecendo no resto do mundo”, já que a sociedade “evoluiu nos últimos 20 anos de uma maneira exponencial”.
Confira a seguir as propostas de mudança mais relevantes ao Código Civil em vigor:
RESPONSABILIDADE CIVIL
No âmbito da responsabilidade civil, o projeto inova ao estabelecer parâmetros para quantificar o valor que deve ser arbitrado aos danos extrapatrimoniais em casos de ações indenizatórias. A subcomissão sugere a criação do art. 994-A, que passaria a prever que o juiz pode levar em consideração (i) o nível de afetação em projetos de vida relativos ao trabalho, lazer, âmbito familiar ou social; (ii) grau de reversibilidade do dano; e (iii) grau de ofensa ao bem jurídico.
Nesse sentido, a proposta prevê que o juiz poderá, ainda, incluir uma sanção pecuniária de caráter pedagógico em casos de especial gravidade, havendo dolo ou culpa grave do agende causador do dano ou em hipóteses de reiteração de condutas danosas.
CONTRATOS
Em relação aos artigos do Código Civil que tratam das disposições gerais dos contratos, a Subcomissão de Direito Contratual se preocupou em manter a autonomia privada das partes. No entanto, em casos de contratos não paritários, o projeto intervém para evitar abusos de direito, assim, em diversas ocasiões, o texto acrescenta em dispositivos legais já existentes a distinção entre contratos paritários e os não paritários, com o objetivo de evitar abusos nestes últimos.
O projeto reforça também o princípio da intervenção mínima do Estado e excepcionalidade da revisão contratual. Por outro lado, a Subcomissão se preocupou em reforçar a função social do contrato, visando o equilíbrio entre os princípios citados, com a criação de um §2º no art. 421, determinando que “A cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito”.
DIREITO EMPRESARIAL
No âmbito das sociedades limitadas, objetivando dirimir as controvérsias jurisprudenciais sobre o tema, propõe-se a inclusão de regras para apuração de haveres em casos de omissão do contrato social. Para tanto, no texto do anteprojeto foi inserido novo parágrafo no art. 1.031, que estabelece que o juiz observará, como critério de apuração de haveres, o valor apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se, a preço de saída, os bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, inclusive os gerados internamente, além do passivo, a ser apurado de igual forma.
O projeto prevê também a criação do art. 996-A, incluindo diversos princípios que norteiam o Direito Empresarial, destacando aqui os que devem vir a ser mais utilizados em litígios empresariais: (i) liberdade de iniciativa e da valorização do capital humano; (ii) liberdade de organização e livre concorrência; (iii) autonomia patrimonial das pessoas jurídicas; (iv) da deliberação majoritária do capital social, salvo se o contrário for previsto no contrato social.
DIREITO DE FAMÍLIA
A subcomissão de direito de família propôs diversas regras gerais voltadas a todas as entidades familiares, sem distinção, o que contempla não apenas o casamento e a união estável. A proposta visa alterar no texto legal referências a “homem e mulher” ou “marido e mulher”, optando, precisa e objetivamente, pela expressão “duas pessoas”, o que contempla, em perspectiva constitucional e isonômica, todo e qualquer casal, seja heteroafetivo ou não.
Além do mais, a reforma objetiva desburocratizar diversos procedimentos que hoje possuem um tramite mais moroso, expondo a possibilidade de que os seguintes atos possam ser realizados de maneira extrajudicial:
- Divórcio impositivo ou unilateral;
- A alteração do regime de bens;
- Formação de regramento de tomada de decisão apoiada.
DIREITO DAS SUCESSÕES
Em seu art. 1.845, o Código Civil de 2002 prevê que os descendentes, os ascendentes e o cônjuge são herdeiros necessários, tendo assim, direito a metade dos bens da herança deixada pelo falecido. O projeto de lei propõe uma alteração polêmica neste dispositivo, excluindo a figura do cônjuge do rol dos herdeiros necessários, relegando-o à terceira classe de herdeiros.
Os integrantes da Comissão justificam essa alteração em razão da progressiva igualdade entre homens e mulher na família e do ingresso da mulher no mercado de trabalho, bem como do fenômeno cada vez mais crescente das famílias recompostas.
Outro ponto que merece destaque são as previsões que envolvem novas tecnologias, estabelecendo que, na sucessão legítima, se transmitem aos herdeiros do de cujus os bens digitais patrimoniais e os aspectos patrimoniais das situações híbridas.
Além disso, se propõe alterações no art. 2.004 do Código Civil e revogação do art. 639 do Código de Processo Civil, pois eliminarão o conflito que tange ao valor de colação dos bens doados (se pelo tempo da liberalidade ou da abertura da sucessão)
A Subcomissão optou por resgatar a orientação original do legislador do Código Civil, definido que o valor de colação dos bens doados será o valor certo ou estimativo que lhes atribuir o ato de liberalidade, mas que serão corrigidos monetariamente até a data de abertura da sucessão.
DIREITO DAS COISAS
No campo do direito das coisas, foi proposta relevante alteração em relação à usucapião, consolidando expressamente a possibilidade de realizar o pedido de usucapião de maneira extrajudicial, sem intervenção do Poder Judiciário, destacando a intenção dos autores em simplificar procedimentos burocráticos.
DIREITO DIGITAL
A principal inovação do projeto é a criação de um livro autônomo dedicado a regular as matérias que envolvem o Direito Civil Digital. Composto por 10 capítulos, os temas envolvem patrimônio digital, inteligência artificial, assinaturas eletrônicas, entre outras questões essenciais para os avanços da sociedade.
Além disso, a proposta prevê a revogação do artigo 19 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que atualmente isenta as plataformas digitais de responsabilidade pelos conteúdos publicados por terceiros, salvo em casos de descumprimento de decisão judicial. Com a nova redação, o projeto estabelece que as plataformas digitais poderão ser responsabilizadas administrativa e civilmente por danos causados por conteúdos gerados por terceiros se descumprirem sistematicamente os deveres e obrigações previstos no Código Civil reformado.
Sem dúvidas, o tema irá gerar grandes debates no Senado, na medida em que aqueles que apoiam a regulação argumentam pela responsabilidade objetiva das big techs, enquanto aqueles que defendem a liberdade de expressão irão defender o modelo de negócio dessas companhias.
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Além das alterações mencionadas no tópico acima, a Subcomissão de Direito Digital propõe alterações para abordar questões ligadas aos Direitos da Personalidade, especialmente aqueles que são atingidos pela revolução digital.
Nesse sentido, a proposta prevê que qualquer indivíduo possa solicitar, diretamente nos sites de origem, a exclusão permanente de informações que violem seus direitos fundamentais ou da personalidade.
Além disso, o projeto incorpora o chamado “Direito ao Esquecimento”, permitindo que uma pessoa se desvincule de registros públicos que lhe causem sofrimento ou dano moral.
No entanto, é certo que essa inclusão será objeto de grandes debates no Senado, na medida em que diverge do entendimento consolidado pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida, em que, por unanimidade, o tribunal decidiu que o Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal do Brasil.
Com o protocolo, a responsabilidade de analisar, debater e decidir sobre a proposta agora recai sobre o Congresso.
Confira o texto enviado ao Senado na íntegra: