A polêmica tentativa de incidência do ITCMD sobre a distribuição desproporcional de dividendos

A reforma tributária trouxe consigo discussões não apenas em relação aos tributos sobre o consumo, mas também em relação ao imposto que incide sobre a transmissão de bens em razão de herança ou doação, popularmente conhecido por ITCMD. O Projeto de Regulamentação da Reforma (PLP 108/2024), estabelece em seu artigo, 160, § 5º, I, por exemplo, a incidência do ITCMD na distribuição desproporcional de lucros aos sócios, quando referida distribuição se der por liberalidade e sem justificativa negocial.

Ocorre que o artigo 1.007 do Código Civil ao prever que os sócios participam dos lucros e das perdas na proporção de suas respectivas quotas, salvo estipulado em contrário, não veda a chamada distribuição de lucros.

O elastecimento da abrangência do conceito de doação, definido pelo artigo 538 do Código Civil como “o contrato em que uma pessoa, por liberdade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”, parece violar, a uma só vez, o artigo 110 do CTN e o artigo 170 da Constituição.

A arquitetura remuneratória dos sócios das empresas não pode ser equiparada a uma doação, pois, de um lado, o art. 110 do CTN veda que a lei tributária altere definições, conceitos e formas do direito privado; por outro, a Constituição não prevê uma correlação entre a valorização da livre iniciativa e a doação.

Em uma sociedade de prestação de serviços, por exemplo, é o esforço intelectual, de seus sócios, que gera receita para a sociedade, o que justifica muitas vezes a desproporcionalidade. Mesmo nas demais sociedades empresárias, não raro o sócio majoritário não é o grande responsável pela execução do objeto principal e, também, pela geração de receita. Por isso, a adoção de critérios para distribuição do lucro baseados na dedicação do sócio na geração de receita é perfeitamente legal e não pode ser considerada como uma doação.

 

Aliás, o direito não pode ser interpretado aos pedaços, diz Eros Grau, por isso é inconsistente o conteúdo do PLP 108/2024, que de forma ilegal e inconstitucional, tenta abraçar outras situações que não vínculo legal ou lógico com a doação.

Sob a perspectiva societária cabe pontuarmos, ainda, que a distribuição desproporcional de dividendos pode ocorrer de forma perene, quando os sócios estipulam percentuais fixos de participação nos resultados da empresa em porcentagens diversas as suas respectivas participações no capital da sociedade, ou de forma eventual ou pontual, quando a desproporcionalidade é definida em razão de fatores diversos, tais como a efetiva contribuição de cada sócio para a geração do resultado em determinado exercício social ou a remuneração de sócio investidor que decidiu aportar recursos na sociedade em momento crítico da empresa, dentre outros.

Devemos lembrar que a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76) prevê, em seu artigo 17, a possibilidade de ações preferencias receberem dividendos superiores aos pagos aos detentores de ações ordinárias, o que não deixa de ser uma distribuição desproporcional de dividendos. Caso o PLP 108/2024 seja aprovado com essa regra ou sem uma maior definição do que seja o chamado propósito negocial, diversas sociedades passaram a, em tese, estarem sujeitas ao pagamento de ITCMD sobre a distribuição desproporcional de dividendos. Será que as sociedades anônimas também estarão na mira do Fisco ou serão a única alternativa para que a remuneração do capital e do trabalho possam ocorrer simultaneamente via distribuição de dividendos sem a incidência do ITCMD?…

Até o fechamento da edição desse informativo, o PLP 108/2024 segue em tramitação na Câmara dos deputados.

As equipes de direito tributário e corporativo do escritório Dalcomuni Dutra Colognese advogados permanecem à disposição para sanar eventuais dúvidas sobre o tema.