Incide PIS e COFINS sobre Taxa SELIC, decide o Superior Tribunal de Justiça

No dia 20/06/2024 o Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema 1.237 (REsp 2.068.697, REsp 2.065.817 e REsp 2.075.276), que pretendia solucionar a seguinte questão jurídica:

…possibilidade de incidência das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS sobre os valores de juros, calculados pela taxa SELIC, recebidos em face de repetição de indébito tributário, na devolução de depósitos judiciais ou nos pagamentos efetuados por clientes em atraso.

Ao julgar o tema, o STJ fixou a seguinte tese, por unanimidade:

Os valores de juros, calculados pela taxa SELIC ou outros índices, recebidos em face de repetição de indébito tributário, na devolução de depósitos judiciais ou nos pagamentos efetuados decorrentes de obrigações contratuais em atraso, por se caracterizarem como Receita Bruta Operacional, estão na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS cumulativas e, por integrarem o conceito amplo de Receita Bruta, na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas.

Esse precedente alterou, de forma significativa, a tributação do regime cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS.

O acórdão, após tecer considerações sobre a evolução legislativa e jurisprudencial do tema, estabeleceu a seguinte interpretação para fins de incidência da contribuição ao PIS e da COFINS:

 

  1.  Juros remuneratórios – categoria que abrange os juros SELIC incidentes na devolução dos depósitos judiciais – são Receitas Financeiras (remuneração do capital) integrantes do Lucro Operacional, consoante o disposto no art. 17, do Decreto-Lei n. 1.598/77 e o art. 9º, da Lei n. 9.718/98, portanto integrantes do conceito maior de Receita Bruta Operacional.
  2. Juros moratórios:
    2.1 Se recebidos em face de repetição de indébito tributário – categoria que abrange os juros SELIC incidentes na repetição de indébito tributário – são, excepcionalmente, recuperações ou devoluções de custos (indenizações a título de danos emergentes) integrantes da Receita Bruta Operacional, consoante o disposto no art. 44, III, da Lei n. 4.506/64; e

    2.2 Se auferidos nas demais hipóteses de inadimplemento – categoria que abrange os juros incidentes sobre os pagamentos efetuados por clientes em atraso – são Receitas Financeiras (indenizações a título de lucros cessantes) integrantes do Lucro Operacional, consoante o disposto no art. 17, do Decreto-Lei n. 1.598/77 e o art. 9º, da Lei n. 9.718/98, portanto integrantes do conceito maior de Receita Bruta Operacional.

A novidade do precedente foi aplicar à interpretação das normas de PIS/COFINS ao conceito da legislação de Imposto de Renda sobre receita bruta operacional e não-operacional. Assim, concluiu o acórdão que a base da não cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS corresponderia a “Receita Bruta Total = Receita Bruta Operacional + Receita Bruta não Operacional”.

Na verdade, o regime não-cumulativo de PIS/COFINS define a base de cálculo de ambas as contribuições, no §1º do art. 1º das Leis n.º 10.833/2003 e 10.637/2002, como sendo o total das receitas, a qual “compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas”.

Pode-se, por analogia, ao analisar o tema sobre a tributação de juros moratórios ou remuneratórios, compreender que a receita bruta do artigo 12 acrescido das demais receitas equivale, na prática, a receita bruta operacional acrescida da receita não operacional da legislação de imposto de renda. Todavia, com o devido respeito ao posicionamento da Corte, essa analogia não se mostra correta na análise da materialidade da contribuição da contribuição ao PIS e da COFINS, já que as Leis n.º 10.833/2003, 10.637/2002 e 9.718/98 não determinam a aplicação subsidiária da legislação de imposto de renda.

Isso fica muito claro ao analisar os impactos do precedente no PIS/COFINS cumulativo.

O artigo 3º da Lei n.º 9.718/1998 definiu que a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS no regime cumulativo, que incluem as empresas imunes e especialmente as optantes do lucro presumido, corresponde a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598/77.

Por este dispositivo legal, considera-se receita bruta somente aquilo que decorre da venda de bens, prestação de serviço, resultado em conta alheia (comissão) e as “receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas” nas três atividades anteriores.

Como se pode perceber, juros moratórios ou remuneratórios não são decorrentes de vendas de bens, prestação de serviço ou resultado em conta alheia. Logo, não estão na base de cálculo do PIS/COFINS cumulativo, já que se caracterizam como receitas financeiras e não como receita bruta.

No que tange as demais receitas do objeto principal, a Instrução Normativa n.º 2.121/2022, no artigo 788 (repetindo disposições anteriores), dispõe que as empresas do regime cumulativo devem oferecer a tributação receitas financeiras somente se ela “decorrer da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica constituir-se em receita oriunda do exercício das atividades empresariais”.

Na Solução de Consulta n.º 84/2016 e n.º 30/2019, resta claro que as receitas oriundas de juros remuneratórios (fato extensível aos moratórios), por não constituírem objeto social das empresas em geral, não devem ser tributadas pelo PIS/COFINS, consoante excerto abaixo transcrito:

  1. Como se extrai desses excertos da SC Cosit nº 84, de 2016, o fator relevante para determinar se há a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no regime de apuração cumulativa sobre determinada receita (inclusive receita financeira) é a existência de vinculação dessa receita à atividade negocial/empresarial desenvolvida pela pessoa jurídica nos termos de seus atos constitutivos ou de sua prática econômica (ainda que não formalizada em seus atos constitutivos).

 

  1. Considerando o relato apresentado, pode-se concluir que os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras não estão vinculados às atividades negociais/empresariais de uma empresa de gestão e administração da propriedade imobiliária, de compra e venda de imóveis próprios e de participação em sociedades na qualidade de cotista e/ou acionista, e portanto não compõem sua receita bruta para fins de apuração da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas no regime de apuração cumulativa, sendo comum o fato de as pessoas jurídicas que possuam disponibilidades financeiras aplicarem-nas em investimentos com rentabilidade fixa ou variável.

 

Não se pode considerar que a percepção de juros, moratórios ou remuneratórios, se enquadrem como receita bruta por força do artigo 12, IV do Decreto-Lei no 1.598/77.

Está equivocado o acórdão quando sustenta que a base de cálculo do PIS/COFINS cumulativo equivaleria ao conceito de lucro operacional da legislação de imposto de renda, a qual engloba as receitas financeiras, pois a remissão do art. 3º da Lei n.º 9.718/98 ao artigo art. 12 do Decreto-Lei no 1.598/77 limita, na forma do artigo 109 do CTN, o alcance da materialidade da contribuição ao PIS/COFINS.

Caso venha a prevalecer o entendimento do acórdão, as empresas do lucro presumido terão forte impacto em sua tributação, já que são consideradas receitas não operacionais, excluídas da base do PIS/COFINS pelo acórdão do STJ, as operações sujeitas a ganho de capital (vendas de imobilizado), desapropriação e alienação de investimentos, por exemplo. São hipóteses restritas.

Por seu turno, consideram-se receitas operacionais, além dos juros de mora e remuneratórios, correção monetária de qualquer natureza, variação cambial, receitas decorrentes de descontos obtidos junto a clientes, perdão de dívida da empresa por sócio ou terceiro, reembolso de despesas, subvenções de investimento e custeio.

Ficam de fora da tributação, de acordo com o acórdão do STJ, as receitas do §2º do art. 3º da Lei 9.718/98, ainda que consideradas operacionais pela legislação de imposto de renda, a saber: (i) vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos; (ii) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas; (iii) receita de equivalência patrimonial ou dividendos distribuídos computados na receita.

Dado o impacto da decisão, certamente o acórdão será objeto de embargos de declaração, oportunidade em que se poderá adequar o julgado à materialidade do PIS/COFINS prevista na Lei n.º 9.718/98, na parte em que remete ao artigo 12 do Decreto-Lei no 1.598/77, de forma que somente uma receita que se enquadre como decorrente do objeto social da empresa (decorrer do seu exercício), mesmo que operacional para legislação do imposto de renda, possa ser alcançada pelo PIS/COFINS cumulativo.

De momento resta aguardar o desfecho do julgamento do STJ, quiçá quanto a possível modulação de seus efeitos, bem como o posicionamento que será adotado pela Receita Federal do Brasil e PGFN frente a este precedente repetitivo.

 

Leonardo Colognese Garcia, sócio e advogado do Dalcomuni Dutra e Colognese Advogados.