PIS e COFINS NO DIESEL: EXTERNALIDADES DECORRENTES DA LEI COMPLEMENTAR 192 E MEDIDA PROVISÓRIA 1.118

Carlos Eduardo Pereira Dutra é advogado, sócio do Dalcomuni, Dutra e Colognese Advogados. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, onde é Professor da Escola de Direito e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário Empresarial. É membro do IDT-PR, IBDT e das Comissões de Direito Tributário e Cooperativo, da OAB-PR.

É inegável o esforço do governo para conter a inflação, com destaque para as diversas medidas adotadas nos últimos meses para redução do preço dos combustíveis. Isoladamente, a redução de tributos pode ser benéfica, estimulando o desenvolvimento da atividade econômica. Mas pode, também, comprometer o orçamento público, reduzir o investimento e aumentar a dívida pública. A pressa na contenção da inflação pode resultar, ainda, na adoção de medidas tributárias com impacto negativo ao contribuinte.

Exemplo recente é a redução à zero das alíquotas de PIS e COFINS sobre a produção e comercialização de óleo diesel, insumo essencial para o setor de transportes. Antes ainda de adentrarmos às consequências decorrentes da redução julgamos importante verificar qual a razão pela qual foi incluída a referida redução, em um Projeto de Lei que, originalmente, visava apenas a redução da carga tributária de ICMS.

Pois bem, a inclusão da redução à zero das alíquotas de PIS e COFINS foi proposta pela Senadora Soraya Thronicke, em 16 de fevereiro de 2022, que justificou a redução da seguinte forma: “(…) o art. 9º efetivamente reduz a zero, até 31 de dezembro de 2022, as alíquotas das contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS, tanto nas operações internas quanto nas importações, incidentes sobre as operações com óleo diesel, biodiesel e GLP.”

Segundo a Senadora Soraya “as reduções de alíquotas de tributos federais e estaduais incidentes sobre os mesmos combustíveis mencionados acima, excepcionalmente no corrente exercício, não demandarão as medidas compensatórias previstas na LRF e na LDO em virtude da renúncia de receita que provoquem, bastando a demonstração do seu impacto orçamentário e financeiro, nos termos do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Em seu relatório inicial, o Senador Jean Paul Prates votou pela rejeição da redução das alíquotas contida na Emenda n. 6, de autoria da Senadora Soraya, justificando a recusa “(…) por entender que a dispensa das exigências fiscais da LRF e da LDO nela veiculada extrapola o propósito desse projeto. Ademais, representa um risco de que a redução dos preços obtida pela racionalização dos tributos sobre os combustíveis seja consumida pela desvalorização do real causada pela redução da confiança do mercado na gestão fiscal brasileira”.

Em nova manifestação o Senador Jean Prates volta a recusar a Emenda n. 6 “(…) por entender que no atinente ao proposto, a dispensa das exigências fiscais da LRF e da LDO, não atende especialmente ao disposto no art. 113 da ADCT, segundo o qual a proposição legislativa que crie renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Contudo, diante dos debates ocorridos durante a aprovação do projeto, o Senador Jean Prates voltou a incluir a Emenda n. 6 na redação, conforme o seguinte trecho do relatório apresentado em 09 de março de 2022:

Ademais, diante da solicitação da Liderança do Governo, em pedido de acatamento integral da Emenda n o 6, a partir do pedido da autora senadora Soraya Thronicke, e de Destaque apresentado pelo Líder do PROS, senador Telmário Mota, com subsequente anúncio em Plenário da estimativa de seu impacto fiscal, passo a acolher essa emenda com ajustes redacionais, tendo em vista a adequação às demandas da legislação fiscal e o posicionamento do governo que a medida não afetará a meta de resultado primário.

Em 10 de março é encaminhado, à Câmara dos Deputados, pelo Senador Rodrigo Pacheco, o Projeto de Lei Complementar, com a inclusão do art. 9º, reduzindo à zero a alíquota do PIS e da COFINS sobre diversos combustíveis, com a garantia da manutenção dos créditos vinculados. Na mesma data o Deputado Dr. Jaziel apresentou seu relatório, mantendo a redação proposta para o art. 9º, tendo sido aprovado nesses termos o Projeto de Lei Complementar, o qual foi encaminhado, para a presidência, pelo Deputado Arthur Lira, em 11 de março de 2022, mesmo dia em que foi publicada no Diário Oficial por ordem do Presidente da República.

Ocorre que, cerca de um mês após a publicação da Lei Complementar 192/22, a Presidência encaminhou ao Congresso Nacional, a Medida Provisória 1.118/22, por meio da qual promoveu alterações no art. 9º da LC 192/22.

Ao justificar a Medida Provisória o Ministro da Economia informa que “(…) a manutenção da atual redação do art. 9º poderá trazer insegurança jurídica a sua aplicação e levar à judicialização da questão do creditamento, baseado na interpretação de que o adquirente final do combustível, mesmo com as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins reduzidas a zero, poderia tomar crédito dessa aquisição. Esta hipótese não tem sentido, pois aquisições de produtos vendidos com alíquotas zero das contribuições não ensejam direito a créditos.

De fato, a redação original do art. 9º permite interpretar que a redução à zero foi acompanhada da criação de um crédito – ainda que presumido – sobre a aquisição dos mencionados combustíveis.

Ainda que seja efetivamente possível a revogação desse crédito presumido, referida alteração não pode entrar em vigor no dia seguinte à propositura da Medida Provisória, como pretende a Presidência, uma vez que – configurando-se como majoração indireta de carga tributária – deve observar o princípio da anterioridade que, para as contribuições PIS e COFINS, implica na impossibilidade de submissão do contribuinte às modificações que impliquem em majoração de carga tributária apenas após 90 dias da publicação da medida que institui ou modifica a legislação das referidas contribuições.

No dia 07.06.2022 foi parcialmente concedida a medida cautelar na ADI 7181, ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), tendo por objeto a Medida Provisória nº 1.118, de 17 de maio de 2022, a qual alterou a Lei Complementar nº 192, de 11 de março de 2022, que define os combustíveis sobre os quais incidirá uma única vez o ICMS, ainda que as operações se iniciem no exterior.

Na decisão, o Ministro Dias Toffoli destaca que “ao que tudo indica, portanto, o legislador, ao editar a LC nº 192/22, quis garantir a possibilidade de manterem os créditos vinculados não só às pessoas jurídicas produtoras e revendedoras dos produtos a que se refere o caput do art. 9º, mas também às pessoas jurídicas adquirentes finais desses produtos.” Logo na sequência o Ministro assevera que “Em síntese, considero, em sede de cognição sumária, que a MP nº 1.118/22 revogou a possibilidade de a pessoa jurídica adquirente final dos produtos a que se referem o caput do art. 9º da LC nº 192/22, sujeitos à alíquota zero do PIS/Pasep e da COFINS, manter créditos vinculados. E, ao assim proceder, a medida provisória majorou indiretamente a carga tributária do PIS/Pasep e da COFINS.”

Curioso notar que apenas ao se manifestar sobre o periculum in mora é que o Ministro Dias Toffoli faz referência expressa à apropriação do crédito de PIS e Cofins sobre a compra de combustíveis (sujeitos a alíquota zero a partir da LC 192/22) ao concluir que “não sendo concedida a medida cautelar, as pessoas jurídicas que adquirem os combustíveis para uso próprio ficarão obstadas de tomarem o crédito a que têm direito até o julgamento final da ação direta.

Diante disso a decisão se deu no sentido de deferir em parte a medida cautelar, ad referendum do Plenário, para determinar que a Medida Provisória nº 1.118, de 17 de maio de 2022, somente produza efeitos após decorridos noventa dias da data de sua publicação.

Ainda que não represente o encerramento da discussão, o deferimento parcial da medida cautelar é decisão positiva para o setor de transportes uma vez que é possível interpretar, a partir dos fatos e fundamentos nela constantes, que o art. 9º da LC 192/22 acabou por criar hipótese de creditamento a qual, na interpretação do Ministro Dias Toffoli, somente pode ser suprimida a partir de 90 dias da publicação da MP 1.118/22.

Deve-se ressaltar que a medida adotada pelo Executivo, além de se mostrar não muito efetiva no combate à inflação dado que o tributo é apenas um dos elementos que compõem o preço dos combustíveis – que continuam subindo – acabou por gerar um problema de natureza concorrencial, tendo em vista que as transportadoras que adotam – por opção ou obrigatoriedade – o regime do lucro real, continuarão sofrendo com os constantes aumentos do combustível, sem que consigam repassar referidos aumentos para o contratante do serviços e, agora, com o agravante de que deixarão de apropriar crédito sobre o seu principal insumo (óleo diesel). Em contrapartida as transportadoras que adotam o lucro presumido ou mesmo os transportadores autônomos, ainda que também estejam sujeitos aos constantes aumentos do combustível e tenham, obviamente, dificuldades no repasse desses aumentos, não são afetados com a eliminação dos créditos, uma vez que – para referidas pessoas – os custos de PIS e Cofins sempre foram considerados como não recuperáveis, por estarem sujeitos à cumulatividade em relação à referidas contribuições.

Não se nega que – para aquelas transportadoras que aufiram receita anual de até R$ 78 milhões – a adoção do lucro real seja opcional, mas fato é que não se pode admitir que, no curso do exercício fiscal, seja proposta medida que impacte diretamente na realização da atividade empresarial, sendo razoável e proporcional que referida alteração tivesse vigência não no dia seguinte nem tampouco no prazo mínimo de 90 dias, mas sim apenas no exercício posterior a alteração, permitindo o adequado planejamento por parte das empresas.

Com isso retomamos nossas considerações iniciais, comprovando que a pressa na contenção da inflação pode resultar na adoção de medidas tributárias com impacto negativo ao contribuinte.