COMENTÁRIOS SOBRE A LEI COMPLEMENTAR 190/2022: DA OBRIGATÓRIEDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DO EXERCÍCIO E DA NOVENTENA

COMMENTS ONE THE COMPLEMENTARY LAW 190/2022: THE OBLIGATION OF THE COMPLIANCE OF THE PRINCIPLE OF TAX LAW ANTERIORITY AND THE NINETY DAY ANTERIORITY

Pedro Henrique Fontanez Mateus*

Aline Francisca Diatczuk de Almeida Dias**

DO HISTÓRICO DO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA DO ICMS (DIFAL)

Até a promulgação da Emenda Constitucional 87/2015, a Constituição Federal estabelecia, em seu artigo 155, §2º, inciso VII, que em operações e prestações de serviços que destinassem bens e serviços a consumidor final não contribuinte de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), localizado em outro Estado, a alíquota interna do Estado de origem seria recolhida integralmente para o próprio Estado remetente da mercadoria.

Contudo, a partir de 2010, com a expansão do e-commerce, as vendas online começaram a crescer de forma significativa no país. Diante desse cenário, havia um vultoso desequilíbrio arrecadatório entre os entes federados, uma vez que a grande parte dos produtos eram vendidos por empresas localizadas no eixo sul e sudeste do país e, consequentemente, os Estados de destino não arrecadavam nas operações interestaduais que envolvessem consumidor final não contribuinte do ICMS. Todo o tributo estadual arrecadado na operação era de competência do Estado de origem da mercadoria.

Desse modo, visando equilibrar a discrepância de arrecadação de ICMS entre os Estados, em observância ao pacto federativo, foi editado o Protocolo ICMS n.º 21/2011 pelo do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), a fim de possibilitar a cobrança do tributo correspondente ao diferencial de alíquota (DIFAL) para a unidade federada destinatária da mercadoria no caso de operações para consumidor final não contribuinte do ICMS.

Entretanto, esse protocolo foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2014[1], por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI´s) nº 4628 e 4713 e no Recurso Extraordinário (RE) 680.089[2], com repercussão geral. Segundo o entendimento aplicado pelo STF, os Estados, por meio do CONFAZ, não teriam legitimidade para introduzir matéria de ICMS que procedesse alterações na definição de contribuinte, de ente tributante e de nova relação jurídico-tributária.

Do referido julgamento extrai-se que os próprios Ministros indicarem que a cobrança da referida exação somente seria possível mediante a promulgação de Emenda Constitucional e a sua respectiva regulamentação via Lei Complementar. Vejamos alguns trechos do referido julgamento:

“Em que pese a alegação da existência de um cenário de desigualdades inter-regionais, em virtude da aplicação do art. 155 § 2º, VII, da Constituição, a correção destas distorções somente poderá emergir pela promulgação de emenda constitucional, operando uma reforma tributária, e não mediante a edição de qualquer outra espécie normativa. […] Daí por que a correção da engenharia constitucional de repartição de competências tributárias somente pode ocorrer legitimamente mediante manifestação do constituinte reformador, por meio da promulgação de emendas constitucionais, e não pela edição de outras espécies normativas (e.g., Protocolos, Resoluções etc.). […] Deveras, a substituição tributária, em geral, e, especificamente para frente, somente pode ser veiculada por meio de Lei Complementar, a teor do art. 155, § 2º, XII, alínea b, da CRFB/88. In casu, o protocolo hostilizado, ao determinar que o estabelecimento remetente é o responsável pela retenção e recolhimento do ICMS em favor da unidade federada destinatária vulnera a exigência de lei em sentido formal (CRFB/88, art. 150, § 7º) para instituir uma nova modalidade de substituição”.

Nesse contexto, foi publicada a Emenda Constitucional nº 87/2015 que alterou o § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, para tratar da cobrança do ICMS incidente sobre as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado.

Com a edição da referida Emenda Constitucional, passa-se, portanto, a existir previsão constitucional para a aplicar a alíquota interestadual em toda operação que destine bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, independentemente de ser ou não contribuinte do ICMS.

Além disso, a Emenda inovou ao dispor que, nas operações em que o consumidor final não fosse contribuinte do ICMS, caberia ao remetente do bem ou da mercadoria a responsabilidade pelo recolhimento do diferencial de alíquota para o Estado de destino, considerando-se a alíquota interna da unidade federada. Ou seja, a Emenda Constitucional criou uma relação jurídico tributária que inexistia, uma vez que, antes da referida emenda, não havia obrigação do sujeito passivo remetente da mercadoria com o Estado de destino, que passou a ser um novo sujeito ativo.

Baseando-se na nova Emenda e apesar do indicativo do STF no julgamento mencionado acima quanto a necessidade de Lei Complementar, o CONFAZ, novamente, aprovou Convênio de ICMS, de n.º 93, para disciplinar as operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outro ente federado.

Foi diante desse cenário que a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469-DF foi proposta, a fim de que fosse reconhecida a inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio n.º 93/2015, haja vista o evidente desrespeito do campo normativo de competência estrita de lei complementar.

DO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE Nº 5.469-DF

No ano de 2016, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.469, tendo como objeto discutir a constitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio nº 93/2015, firmado em 17 de setembro de 2015 no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

Em resumo, diante da previsão contida no artigo 59, 146, I e III, além do 155, §2º, XII, alínea g da Constituição Federal, sustentou-se que mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, razão pela qual houve uma extrapolação de poderes e uma invasão da competência que é própria de Lei Complementar.

No dia 24 de fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, julgar procedente o pedido formulado na ação direta, a fim de declarar a inconstitucionalidade formal das cláusulas questionadas do Convênio nº 93/2015.[3] O Ministro Relator Dias Toffoli entendeu que:

 “Com a emenda, o mesmo sujeito passou a ter duas relações tributárias: uma com o estado de origem, para o qual deve recolher o imposto com base na alíquota interestadual, e outra, no caso de destinatário não contribuinte do imposto, com o estado de destino, para o qual deve recolher o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas […] é certo que a EC nº 87/2015, no tocante ao ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas nas operações ou prestações interestaduais com destinatário não contribuinte do imposto, criou uma nova relação jurídico-tributária”. Ainda, nos termos voto do Excelentíssimo Ministro Relator, com a EC 87/2015, “houve, portanto, substancial alteração na sujeição ativa da obrigação tributária”.

Esse entendimento, inclusive, segue a linha do que o STF já havia decidido quando do julgamento das ADI´s n.º 4628 e 4713 e do Recurso Extraordinário (RE)  n.º 680.089, uma vez que a Carta Magna expressamente reserva à lei complementar dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, definir tributos e suas espécies, bem como respectivos fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes e obrigações tributárias.

No que diz respeito ao ICMS, a Constituição Federal estabeleceu, como já mencionado, que cabe à Lei Complementar definir seus contribuintes; fixar o local das operações para fins de cobrança do imposto e de definição do estabelecimento responsável por seu recolhimento; fixar a base de cálculo, etc (art. 155, § 2º, XII da CF). Além disso, a Lei Complementar n.º 87/96 (Lei Kandir) trata de normas gerais acerca do ICMS, contudo, ainda não disciplinava sobre o diferencial de alíquotas nas operações interestaduais que envolvam consumidor final não contribuinte de ICMS.

Desse modo, dada a falta de Lei Complementar que disponha sobre o assunto que foi introduzido pela EC n.º 87/2015, restou clara a impossibilidade de o Convênio n.º 93/2015 substituir a necessidade de Lei Complementar para tratar da matéria.

Por fim, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão do julgamento (2022) no que se refere o diferencial de alíquota do ICMS em operações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal modulou a decisão visando dar tempo hábil para que fosse publicada lei complementar até o final de 2021 e, assim, pudesse passar a produzir efeitos no ano de 2022, respeitando dessa maneira o princípio da anterioridade do exercício e da noventena.

Contudo, a lei complementar que se refere a cobrança do DIFAL em operações destinadas a não contribuinte de ICMS localizado em outro Estado foi publicada apenas em 2022, gerando, por conseguinte, diversas discussões acerca da constitucionalidade da cobrança no ano de 2022, haja vista a previsão do artigo 150, III, alíneas b e c, da Constituição Federal.

Isto posto, passa-se a analisar a Lei complementar 190/2022 e os princípios constitucionais que limitam o poder de tributar dos Estados e que preveem a impossibilidade de cobrança de impostos no mesmo exercício financeiro em que houve a publicação de lei que os instituiu ou aumentou; e/ou ainda, antes que decorram os noventa dias da data da publicação da lei.

DA LEI COMPLEMENTAR 190/2022 E DA OBRIGATORIDADE DA OBSERVÂNCIA DO PRÍNCIPIO DA ANTERIORIDADE E DA NOVENTENA

Diante do resultado e da ratio decidendi do julgamento da ADI n.º 5.469, não restou alternativa senão ao Congresso elaborar projeto de Lei Complementar para suprir a ausência de previsão quanto a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS. Referido projeto, de n. 32/21, foi aprovado e encaminhado para sanção ainda em 2021.

Ocorre que a sanção presidencial e sua publicação ocorreram, respectivamente, somente nos dias 04/01/2022 e 05/01/2022.

Para que seja possível analisar se é aplicável ou não ao caso o princípio da anterioridade, necessário se faz a análise do conteúdo da Lei Complementar n.º 190/2022 e, inclusive, do que o STF já decidiu acerca da matéria.

Inicialmente, chama-se atenção para a primeira previsão da referida LC que introduziu, no artigo 4º da Lei Kandir, que trata do critério pessoal da relação jurídica tributária, que é:  

“contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual” (…) “o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto” (artigo 11 da Lei Kandir).

A segunda importante inovação trazida pela LC é com relação ao critério quantitativo. Com relação a base de cálculo, além de incluir no polo ativo da relação jurídica tributária o Estado de destino, a autoriza a inclusão do próprio tributo na base de cálculo do valor devido para o estado de destino.

Ainda com relação a alteração do critério quantitativo, foi alterado o inciso IX do artigo 11 da Lei Kandir para prever qual seria a base de cálculo do DIFAL nas operações com bem ou mercadoria destinados a consumidor final não contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido em outro Estado. Até então referido dispositivo regulamentava exclusivamente as prestações de serviço, uma vez que fazia referência única e exclusivamente a inciso XIII do artigo 12 do mesmo diploma normativo.        

Ora, importante relembrar que apesar da Lei Kandir prever, desde a sua promulgação – em 1996, a possibilidade de cobrança do diferencial de alíquota com relação as prestações de serviços, em nenhum dispositivo havia previsão para essa cobrança nas operações mercantis.

Diante desse cenário e considerando que o voto vencedor na ADI n.º 5.469 já havia concluído que se o ICMS DIFAL é uma “nova relação jurídico-tributária”, pois “o remetente passou, com a EC nº 87/15, a ter mais uma obrigação tributária”, necessária se faz a análise dos princípios e regras que dispõe sobre as normas de direito tributário.

A Constituição Federal, dentro das limitações do poder de tributar, estabelece, conforme artigo 150, III, alineias b e c, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir tributos: i) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; e ii) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  

Sendo assim, o princípio da anterioridade refere-se à anterioridade de exercício e a anterioridade nonagesimal, sendo ambas garantias que limitam o Estado de impor tributo de forma repentina e que viole o direito a previsibilidade e a não surpresa.

Mais especificamente acerca da anterioridade do exercício, o Ilustre professor Hugo de Brito Machado entende que:

“O princípio da anterioridade quer dizer que nenhum tributo pode ser cobrado sem que a lei que o instituiu, ou aumentou, tenha sido publicada antes do início do exercício de cobrança. Um imposto instituído em lei publicada em 1999, somente a parir de 2000 pode ser cobrado. Mas poderá ser cobrado também nos anos seguintes, indefinidamente”.[4]

Quanto a anterioridade nonagesimal, com a Emenda Constitucional n.° 42, “criou-se mais uma limitação à instituição ou aumento de tributos, porquanto se assegura ao contribuinte o prazo mínimo de noventa dias para que se acostume com a nova exigência, em homenagem, uma vez mais, aos princípios da segurança jurídica e da não-surpresa”[5].

Ou seja, isso significa que “no mínimo o contribuinte terá noventa dias para preparar-se para enfrentar a nova exação, podendo o prazo ser bem maior, caso a lei veiculadora da nova exigência fiscal seja publicada no início do exercício financeiro”[6].

Com base nos excertos, pode-se concluir que a previsão constitucional acerca da anterioridade é bem clara ao estabelecer que nenhum tributo poderá ser cobrado no ano de exercício em que a lei que os instituiu, ou agravou. Tal previsão aplica-se ao caso da Lei complementar 190/2022, que apesar de ter sido aprovado em 2021, respeitando assim a anterioridade anual, foi publicado apenas em 2022.

Veja que conforme já restou decidido pelo STF 5.469, estamos diante de uma nova previsão de substituição tributária, razão pela qual era necessário observar o princípio da Legalidade e, não por outro motivo, deve ser observado o princípio da anterioridade. Veja-se excerto:

“Deveras, a substituição tributária, em geral, e, especificamente para frente, somente pode ser veiculada por meio de Lei Complementar, a teor do art. 155, § 2º, XII, alínea b, da CRFB/88. In casu, o protocolo hostilizado, ao determinar que o estabelecimento remetente é o responsável pela retenção e recolhimento do ICMS em favor da unidade federada destinatária vulnera a exigência de lei em sentido formal (CRFB/88, art. 150, § 7º) para instituir uma nova modalidade de substituição”.

Não bastasse o fato de que foi mencionado no voto do Ministro Relator que a lei passaria a produzir efeitos a partir do ano seguinte do exercício, para que assim a anterioridade fosse respeitada, mas também porque a própria LC 190, em seu artigo 3º, prevê a obrigatoriedade do respeito a tal princípio.

O artigo 3º da LC n.º 190/2022 estabelece que: “Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caputdo art. 150 da Constituição Federal”.

Referida alínea c, mencionada no artigo 3º, dispõe que é vedado aos Estados cobrar tributos “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”. Já a referida alínea b dispõe que é vedada a cobrança “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”.

Assim, como regra – a partir da leitura do dispositivo constitucional, a anterioridade do exercício e nonagesimal se completam, uma reforçando a outra[7].

É importante relembrar, ainda, que foi objeto de discussão, quando do julgamento da ADI n.º 5.469-DF, que a cobrança do DIFAL, nas operações interestaduais em que o consumidor final destinatário não fosse contribuinte habitual do ICMS, não se tratava de instituição de imposto novo ou de incidência de tributo sobre operações anteriormente não tributada. Pois, na realidade, nas palavras do Min. Nunes Marques:

 “a EC nº 87/2015 não fez outra coisa além de estender a sistemática da cobrança do referido diferencial de alíquota do ICMS nas operações interestaduais às situações em que o consumidor final destinatário não fosse contribuinte habitual do imposto. Não há inovação, uma vez que inexiste, na espécie, o alargamento da competência anteriormente prevista quanto ao ICMS”.

Todavia, tal entendimento foi vencido, tendo em vista que os Ministros, em sessão plenária, acordaram, por maioria de votos, declarar a inconstitucionalidade formal das cláusulas do convênio n° 93 do CONFAZ. Ou seja, permaneceu o entendimento de que a cobrança do DIFAL, nas operações interestaduais em que o consumidor final não é contribuinte, deveria ser disposta por Lei Complementar, uma vez que tal tributo não está previsto na Constituição Federal e nem na Lei Kandir (LC 87/96).

Além disso, o STF reconheceu que os Estados não poderiam cobrar o DIFAL sem que houvesse Lei Complementar que o instituísse e, dessa forma, a argumentação de que não se trata de novo tributo, mas sim de divisão de um tributo já existente, foi superada.

Isto posto, independente do que os Estados possam vir alegar, a própria LC. 190/2022 previu expressamente, em seu artigo 3º, que quanto a sua produção de efeitos deveria haver a observância da anterioridade nonagesimal (90 dias), bem como, conforme já mencionado, o dispositivo citado pela LC, em sua parte final, indica a observância concomitante ao Art. 150, III, “b”, que diz respeito à anterioridade do exercício.

Por fim, cabe citar o Excelentíssimo Paulo de Barros Carvalho que entende que:

 “[…] aquelas que instituem ou majoram tributos hão de respeitar não somente o princípio da legalidade, inerente a tipicidade cerrada das figuras tributárias, como também outro limite, qual seja, aquele sobranceiramente enunciado no corpo do art. 150, III, b, e que consiste na necessidade de terem sido publicada antes do início do exercício financeiro em que se pretenda cobrar a exação […] Não advogamos a tese de que tais normas (as que criam ou aumentam tributos) entrem, efetivamente, em vigor, nas datas que estipulem, deixando a eficácia jurídica dos fatos previstos em suas hipóteses protelada até o início do próximo exercício financeiro.  Não se trata de problema de eficácia, mas única e exclusivamente e vigência. Na hipótese, o que ocorre é a convergência de dois fatores condicionantes, que interagem provocando o deslocamento do termo inicial da vigência, de modo que a regra jurídica que entraria em vigor […] continua sem força vinculante, até que advenha o primeiro dia do novo exercício financeiro”.[8]

Conclui-se, portanto, que seria inconstitucional a cobrança do DIFAL em 2022, uma vez que tal cobrança iria de encontro com a garantia constitucional do artigo 150, III, b e c, bem como seria contraria ao entendimento do STF e da própria redação da LC 190/2022.

DA INCONGRUÊNCIA DE ENTENDIMENTO DOS ESTADOS E DAS DECISÕES JUDICIAIS CONFLITANTES ACERCA DA COBRANÇA DO DIFAL-ICMS EM 2022

Em que pese haja há previsão constitucional e a própria Lei Complementar 190/2022, alguns Estados como, por exemplo, a Bahia e Pernambuco, entendem que a referida Lei complementar não criou e nem majorou tributo, tratando-se apenas de uma lei geral e, portanto, o princípio da anterioridade não seria impeditivo para a cobrança do DIFAL em 2022.

Outros Estados, como por exemplo São Paulo e Paraná, aplicam em sua legislação ordinária apenas a anterioridade nonagesimal, permitindo assim a cobrança a partir dos 90 dias após a publicação das respectivas legislações estaduais.

Nesse contexto de incertezas, muitos contribuintes já entraram com ações judiciais visando coibir que os Estados efetuem cobrança do DIFAL-ICMS neste ano, sendo proferidas decisões liminares que suspenderam a cobrança deste tributo no ano de 2022.

Exemplo disso é o Estado do Distrito Federal em que o Juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública suspendeu a cobrança, devido ao princípio da anterioridade do exercício, por entender que é “vedado aos entes federados cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observando-se, ainda, o princípio da anterioridade anual tributária”.[9]

Seguindo essa mesma premissa, o juízo da 2ª Vara Federal do DF também suspendeu a cobrança do Difal no ano de 2022, pois, segundo o magistrado, a LC 190: “não se trata de mera norma que altera prazo de pagamento, mas de norma que institui o DIFAL, pois não havia lei complementar antes da lei n.º 190 capaz de justificar a e exigibilidade desta diferença de alíquotas nas operações interestaduais”.[10]

Já no Espírito Santo, em que o Estado não havia editado lei Estadual sobre o DIFAL em 2022, o Juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória decidiu por suspendeu, liminarmente, a cobrança do ICMS durante o exercício financeiro de 2022 e antes da edição de lei estadual do Espírito Santo[11].

Outro caso aconteceu no Estado de São Paulo, em que a Juíza da 16ª Vara da Fazenda Pública, com base também nos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, suspendeu a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS, em 2022.[12] 

Entretanto, há casos de decisões conflitantes como, por exemplo, as decisões proferidas pela 8ª Vara e a 10° Vara da Fazenda Pública de São Paulo. No primeiro caso, foi concedida liminar para suspender da exigibilidade do Difal/ICMS apenas pelos 90 dias seguidos da publicação da LC n.º 190. Sendo assim, a referida decisão não entende que deve haver a necessidade de observância da anterioridade do exercício[13]. Caso mais conflitante ainda é a decisão proferida pela 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, pois o referido juízo negou o pedido de suspensão da exigência do Difal no ano de 2022, uma vez que “não se trata de violação do princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, justamente por não se referir à criação de imposto novo ou majoração de um imposto existente[14].

O cenário de insegurança jurídica agrava-se quando é possível concluir que o Estado de São Paulo não é um caso isolado, no que se refere as decisões conflitantes sobre o difal-ICMS. 

É possível citar também o Estado do Paraná em que, por exemplo, o Juiz de Direito Marcos Vinícius Christo, da 1ª Vara de Fazenda Púbica do foro de Curitiba deferiu a liminar, com efeitos de suspender a cobrança do difal até o início do exercício financeiro de 2023[15].  Contudo, em decisão monocrática, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná não reconheceu o direito da empresa Dis Comércio de Eletrodomésticos de recolher o Difal apenas a partir de 2023[16].

Como é possível observar, em que pese o Supremo Tribunal Federal já tenha se debruçado sobre a possibilidade de cobrança do DIFAL, terá que novamente analisar a matéria para solucionar a controvérsia acerca da (des)necessidade de observância do princípio da anterioridade (nonagesimal e do exercício financeiro).

Não por outra razão já foram ajuizadas inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade, como por exemplo a de n.º 7066, que após poucos dias da distribuição já foi proferido despacho pelo Relator, Min. Alexandre de Moraes, aplicando o rito do artigo 12 da Lei 9.868/1999[17], e determinando que as autoridades se manifestem nos respectivos prazos.

Nesse contexto de insegurança jurídica, muitos tribunais passaram a suspender as liminares que haviam sido concedidas. Um exemplo disto é o Estado de Santa Catarina em que 22 processos, que tiveram tutelas antecipadas deferidas em favor dos contribuintes, foram suspensos pelo desembargador Altamiro de Oliveira, presidente do TJSC. O Tribunal suspendeu as liminares justificando que “na concessão da suspensão de liminar e de sentença não se examina o conteúdo da decisão cuja eficácia se pretende suspender, mas tão somente o risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas que pode ser potencialmente causado pela tutela jurisdicional contra o Poder Público[18].

O Estado de Santa Catarina não é exemplo isolado, uma vez que o Desembargador José Ribamar Oliveira, presidente do Tribunal Estadual de Piauí, também suspendeu as liminares que permitiam a cobrança do Difal apenas em 2023[19].

Esses dois exemplos reforçam, na realidade, a insegurança jurídica em que a discussão em torno do DIFAL está envolvida, uma vez que não há um consenso no território nacional e nos tribunais acerca do assunto. Por esse motivo, muitos tribunais passaram as suspender as liminares que haviam sido deferidas. Contudo, há, ainda, outros tribunais que não se manifestaram acerca da suspensão, restando assim aos contribuintes apenas o afligimento da espera de uma decisão definitiva a ser proferida pela Corte Suprema.

Pelas razões apresentadas nesse breve estudo, conclui-se que para que seja preservada a segurança jurídica e as razões de decidir na ADI n.º 5.469, necessária se faz a declaração de inconstitucionalidade da cobrança do diferencial de alíquota durante o exercício financeiro de 2022, uma vez que se deve observar a anterioridade nonagesimal (90 dias) e do exercício, em estrito cumprimento do artigo 150, III, b e c da Constituição Federal de 1988, bem como do próprio artigo 3º da LC 190/2022.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. Rio de Janeiro: Noeses, 2008.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.


* Pedro Henrique Fontanez Mateus é formado em direito pela UniOpet. Especialista em Direito Tributário pelo IBET, pós-graduando em Gestão Contábil e Tributário pela FAE – Business School e com Formação em Direito Corporativo pela Allez-y – Escola de Direito e Negócios. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná, da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT e da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR.  E-mail: [email protected].

** Aline Francisca Diatczuk de Almeida Dias é Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e integrante do Grupo de Competição em Direito Tributário da PUCPR (GCTAX). E-mail: [email protected].

[1]ADI 4628, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 21-11-2014  PUBLIC 24-11-2014.

[2] RE 680089, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-237 DIVULG 02-12-2014  PUBLIC 03-12-2014.

[3]ADI 5469, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-099  DIVULG 24-05-2021  PUBLIC 25-05-2021

[4] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. Pag. 60.

[5] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009. Pag. 66.

[6] Idem.

[7] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva Jus, 2020. Pag. 149.  

[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. Rio de Janeiro: Noeses ,2008. Pag. 289-290.

[9] Trata-se de decisão proferida pelo Juiz Paulo Afonso Cavichioli Carmona no mandado de segurança, impetrado por Condor S/A Industria Quimica, que tramita na 7ª Vara da Fazenda Pública do DF, sendo o n° dos autos:  0700137-46.2022.8.07.0018.

[10]Trata-se de decisão proferida pelo Juiz Daniel Eduardo Carnacchioni no mandado de segurança, impetrado por Associacao Nacional Dos Contribuintes De Tributos, que tramita na 2ª Vara da Fazenda Pública do DF, sendo o n° dos autos:  0700197-19.2022.8.07.0018.  

[11] Refere-se a decisão proferida pelo Juiz Mario da Silva Nunes Neto da 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória (ES), nos autos sob n° 5000602-63.2022.8.08.0024.

[12] Trata-se de decisão proferida pelo Juiza Patrícia Persicano Piresno no mandado de segurança, impetrado por Condor S/A Indústria Química, que tramita na 16ª Vara da Fazenda Pública de SP, sendo o n° dos autos:  1001443-38.2022.8.26.0053.  

[13] Trata-se de decisão proferida pelo Juiz Josué Vilela Pimentel no mandado de segurança, impetrado por Coordenador Da Administração Tributária Da Secretaria Da Fazenda Do Estado De São Paulo, que tramita na 8ª Vara da Fazenda Pública de SP, sendo o n° dos autos:  1000415-35.2022.8.26.0053.  

[14] Trata-se de decisão proferida pelo Juiz Otavio Tioiti Tokuda no mandado de segurança, impetrado por Avantgarde Motors Comercial Ltda, que tramita na 10ª Vara da Fazenda Pública de SP, sendo o n° dos autos:  1000409-28.2022.8.26.0053.  

[15] Refere-se a Decisão proferida Juiz de Direito Marcos Vinícius Christo da 1ª Vara de Fazenda Púbica do foro de Curitiba, nos autos sob. n° 0000271-10.2022.8.16.0004.

[16] Trata-se de decisão proferida pelo Desembargador Lauri Caetano da Silva da 1ª Câmera Cível no julgamento dos Embargos de Declaração n°      .

[17] Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.  

[18] Trata-se de decisão proferida pelo Presidente do TJSC, nos autos sob n° 0751242-13.2022.8.18.0000.

[19] Refere-se a decisão proferida pelo Presidente do TJPI, nos autos sob. n° 5010518-52.2022.8.24.0000.