Em decorrência de uma declaração do Presidente Jair Bolsonaro, empresários e sociedade de um modo geral começaram a questionar o que seria o “fato do príncipe” (factum principis) e a possibilidade de utilização do art. 486 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em razão da calamidade pública durante o período de pandemia causada pelo COVID-19, especificamente no que se refere à possibilidade, ou não, de rescisão de contratos de trabalho, tendo em vista que diversos Estados e Municípios da Federação, motivados pelo reconhecimento federal de calamidade pública, determinaram a suspensão de atividades empresariais consideradas não essenciais.

Todavia, apesar da leitura apressada do referido artigo dar a impressão de que a suspensão das atividades, por culpa ou interesse dos gestores públicos, atrai a aplicação da regra nele especificada, é necessário compreender a efetiva extensão do dispositivo em discussão, valendo-nos inclusive de orientações jurisprudenciais em casos anteriores e similares.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência na área trabalhista entendem, de forma majoritária, que a aplicação do art. 486 é bastante restrita, unicamente para os casos em que o ente político atue de forma unilateral e especificamente quando isso ocorra em relação à determinado setor ou atividade empresarial. Ou seja, o entendimento majoritário é no sentido de que a regra do Art. 486 da CLT é aplicável quando a suspensão ou encerramento da atividade se dá por vontade do ente público, como por exemplo quando decidido pela proibição das atividades de jogos de azar, no caso concreto dos bingos.

No caso do COVID-19, existe uma probabilidade do judiciário entender que a suspensão provisória das atividades não essenciais ocorreu em decorrência de um fato exterior e sem o controle do Estado (equiparado a força maior), qual seja, a pandemia do coronavírus, o que justificaria a decisão estatal pela suspensão das atividades, com o objetivo de preservar a saúde e a vida da população.

Inexiste, ainda, jurisprudência para casos idênticos ao que enfrentamos atualmente (COVID-19), sendo que há uma multiplicidade de Decretos, Estaduais e Municipais, cada qual com regras próprias, trazendo dúvidas e incertezas de como serão os julgamentos de eventuais ações judiciais na esfera trabalhista, nas quais seja discutida a responsabilidade do ente político.

De qualquer forma é importante destacar que a eventual responsabilidade da administração pública somente poderá ser reconhecida no caso de uma ação judicial, como por exemplo no ajuizamento de uma ação trabalhista pelo trabalhador com o objetivo de buscar o pagamento das verbas rescisórias decorrentes da rescisão do contrato de trabalho. Nessa oportunidade o empregador deverá realizar o chamamento à lide do ente político, no intuito de responsabilizá-lo judicialmente pelo pagamento das verbas indenizatórias devidas quando da rescisão. Cabe destacar que a CLT dispõe que o pagamento será das verbas indenizatórias, ou seja, novamente temos mais um ponto importante a observar, uma vez que não serão todas as verbas rescisórias, mas apenas as verbas que possuem caráter indenizatório.

Diante do cenário de dúvidas e incertezas, a aplicação do art. 486 da CLT será, em nosso entender, restritiva, de forma subjetiva e condicionada à vários critérios a serem analisados pelo judiciário, principalmente diante da impossibilidade de manutenção dos postos de trabalho, necessidade imperiosa de demissão, impossibilidade financeira de pagamentos das verbas rescisórias pelo empregador. Somando a esse cenário jurídico há a necessidade de comprovação de ato discricionário da administração pública para aquela atividade ou setor econômico (probabilidade remota de configuração).

Esses critérios serão avaliados e poderão isentar os entes políticos de qualquer tipo de responsabilidade pelo pagamento das verbas rescisórias de cunho indenizatório.

Mario Dalcomuni Neto é advogado e sócio da área trabalhista do Dalcomuni, Dutra e Colognese Advogados.